Por um PSOL Popular

Tese assinada pelas tendências Primavera Socialista e Revolução Solidária; pelos coletivos:
Educação em Primeiro Lugar (SP), Frente de Lutas Populares (MS), Independentes do RJ, Poder
Popular (GO), Raiz Popular (SP)
e por lideranças como Guilherme Boulos, Sônia Guajajara,
Juliano Medeiros, Edmilson Rodrigues, Célia Xacriabá, Chico Alencar, Erika Hilton, Ivan Valente,
Henrique Vieira, Luciene Cavalcante
, e mais de 26 mil militantes em todo o Brasil.

Introdução

O PSOL está se consolidando como uma alternativa de esquerda, combativa, socialista e democrática para milhares de lutadoras e lutadores sociais. Somos o partido da renovação da esquerda brasileira. Isso só foi possível porque não tivemos medo de tomar lado em momentos críticos da história recente do Brasil. Foi assim na denúncia do golpe parlamentar contra Dilma, na participação na campanha pela liberdade de Lula, no enfrentamento à criminalização da política promovida pela Lava Jato, na construção da resistência a Bolsonaro e na decisão histórica de participação na frente eleitoral que venceu as eleições presidenciais de 2024. Sem perder sua identidade combativa e socialista, mas aberto à formação de alianças, o PSOL se conectou ao que há de melhor na luta popular, ambientalista, feminista, sindical, estudantil, antirracista e anti-lgbtqifóbica no Brasil e no mundo. Se frente aos momentos críticos que vivemos, tivesse prosperado posições sectárias e isolacionistas, o futuro do PSOL poderia estar comprometido. Por isso, essa é a tese que reivindica os acertos do nosso partido nos últimos anos. A tese daquelas e daqueles que se orgulham da campanha de Guilherme Boulos e Sônia Guajajara em 2018. A tese que defendeu o apoio a Lula desde o primeiro instante, garantindo um diálogo altivo com os demais partidos da frente. A tese que reivindica o governo popular de Belém e as lutas do MTST. Queremos construir um partido cada vez mais presente nas
periferias, favelas, na Amazônia, no Nordeste, nas grandes cidades, nos interiores. Um PSOL cada vez mais necessáriocom a cara do povo brasileiro!


Um mundo em transformação

O Brasil e o mundo vivem um intenso processo de mudanças impulsionado pela aceleração das transformações do sistema capitalista. A reestruturação produtiva, que nas últimas décadas afetou principalmente a indústria, hoje se generaliza para o setor de serviços, destruindo empregos numa velocidade jamais vista. Milhões de trabalhadoras e trabalhadores perderam seus empregos e viram seus saberes se tornarem obsoletos, sendo empurrados para o trabalho precarizado fora de sua área de formação. Se este processo já era intenso nas funções industriais, neste caso também impulsionado pela ascensão da Ásia e em particular da China como a grande plataforma industrial do planeta, e pelo desmonte da frágil e embrionária política industrial brasileira centrada na engenharia civil pesada e na cadeia de valor de petróleo e gás, agora chegou com força ao setor de serviços.

A automação bancária, com o fechamento de agências em larga escala e o trabalho terceirizado ao cliente via aplicativos, a automação do varejo com caixas eletrônicos de conferência e pagamento, a generalização do trabalho intelectual à distância com o consequente esvaziamento dos centros das cidades – impactando também os serviços nessas áreas, a uberização, com a redução do trabalho assalariado contínuo e sua substituição pela contratação de trabalho por demanda, são faces de um processo irreversível e com enormes consequências na organicidade social e no processo político.

Como em todo ciclo de inovação tecnológica, se abre uma disputa pela distribuição dos ganhos de produtividade dela decorrentes. Tanto a primeira como a segunda Revolução Industrial tiveram como consequência a luta dos trabalhadores pela redução da jornada de trabalho, pelo direito ao descanso semanal remunerado, pelo direito a férias e reconhecimento previdenciário. O atual ciclo tem se caracterizado até aqui por profundas derrotas para as classes trabalhadoras que viram seus direitos previdenciários reduzidos, seus direitos trabalhistas relativizados e milhões de trabalhadores caindo na informalidade e no trabalho precarizado, sem direitos sociais e impelidos a jornadas de semelhantes àquelas verificadas no início do século XIX. A consequência disso é a ampliação da desigualdade entre o 0,5% mais rico e o restante da sociedade. Este é um fenômeno global, embora com velocidades e capacidades de resistência diferentes conforme o país e as tradições de luta e organização dos trabalhadores.


Os povos resistem

Em 2023, a quebra do banco Lehman Brothers completa quinze anos. É uma década e meia da maior crise do capitalismo desde o crash de 1929. Desde então, vimos a ampliação da resistência popular, dos conflitos, a ascensão de forças políticas de extrema direita e a crise das tradicionais forças de esquerda social-liberais em muitos países. Há um fio condutor entre as revoltas no mundo árabe do início da década passada, as jornadas de junho de 2013 no Brasil, o movimento dos “indignados” na Espanha, os levantes estudantis no México e Estados Unidos, os movimentos de contestação à ordem na Colômbia e Equador, o levante feminista na Argentina, os coletes amarelos na França e a explosão social de 2019 no Chile. Estes processos de resistência têm por característica a heterogeneidade e ausência de lideranças claras, o questionamento aos limites da democracia liberal, bem como a permanente disputa de hegemonia entre a esquerda e a extrema direita. Na prática, o que está em jogo é o ciclo político que se iniciou após a crise de 2008 e cujo destino ainda é incerto. É neste cenário que a extrema direita, depois de décadas de existência política marginal, volta a ter protagonismo e a vencer eleições. Este fenômeno não seria possível sem que milhões de trabalhadores se sentissem mobilizados pelas ideias radicais do neofascismo, sua retórica antissistema e a disseminação de ódio aos “culpados da vez”. Se na década de 1930 na Alemanha nazista os inimigos foram os judeus, comunistas, LGBTs e outras minorias, levando ao genocídio de judeus e do povo Roma (repetindo os antecedentes do genocídio de 1908 na África Ocidental Alemã), hoje são ainda os comunistas e LGBTs, mas também o povo negro, os imigrantes, os povos originários e as mulheres.

A característica autônoma e individual do trabalho precário onde vigora com frequência a concorrência de todos contra todos, a ausência de vínculos coletivos e de compartilhamento de identidades, sobre a qual atuam os aparatos burgueses de formação de opinião dificultam a formação de consciência de classe. A percepção do Estado não mais como garantidor de direitos, mas como Leviatã que fiscaliza, controla, pune e saqueia através da cobrança de impostos, facilita a aderência da retórica liberal antiestatal e torna a tarefa da esquerda mais difícil.

No contexto do racismo estrutural brasileiro, a ausência de emprego também é atravessada pela questão racial. Dos quase 12 milhões de desempregados, 64,2% eram pretos e pardos, enquanto os brancos representavam 34,8% segundo a PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE, realizada no primeiro trimestre de 2022. Do total de desempregados, 6,5 milhões são mulheres e 5,4 milhões homens, ou seja, são das mulheres negras as mais atingidas pelo desemprego no Brasil.


A onda reacionária no Brasil

No Brasil esse processo fica claro ao analisarmos o perfil da votação de Bolsonaro, que venceu com larga vantagem em todo o cinturão do desmatamento da Amazônia (sul do Pará e do Amazonas, Rondônia, Acre e Mato Grosso) bem como na maioria das capitais, demonstrando forte penetração juntos às classes trabalhadoras urbanas. Seu discurso de “liberdade” tinha como tradução a liberdade de oprimir mulheres, negros e negras, LGBT+; de desmatar; de minerar em terras indígenas, de não ter suas terras fiscalizadas por órgãos ambientais; rejeição ao Estado por milhões de trabalhadores autônomos que veem no Estado um inimigo que persegue camelôs, fiscaliza bares da periferia, taxistas, ou pequenas confecções domésticas.

A extrema direita, ao ocupar o espaço simbólico da contestação ao sistema, embora seja ela própria a expressão contemporânea mais acabada desse mesmo sistema, empurrou parte da esquerda para a incômoda condição de defensora do status quo. No Chile, superado o impulso inicial do estallido social que levou à esquerda a eleger folgada maioria na Constituinte e levar Gabriel Boric à presidência, é a extrema direita que retoma terreno. Também em países como Espanha, com o Vox, e Portugal, com o Chega! Argentina, com Javier Milei, e Paraguai, com o expressivo desempenho eleitoral de Paraguayo Cubas, são as forças da reação que avançam. Em todos estes casos ocupam o espaço simbólico e enganoso da rejeição ao sistema.

No Brasil, Bolsonaro aproveitou-se da crise política aberta a partir de 2015 para construir-se como alternativa. Apesar de ser um parlamentar medíocre, ele se apresentou como um outsider e se conectou com o sentimento de parte do povo brasileiro. A operação Lava Jato – lamentavelmente defendida por um setor do PSOL – foi um instrumento decisivo para colocar todo o sistema político em xeque e pavimentar o caminho para a extrema direita. A disseminação do pânico moral através de preconceitos contra a população LGBTQIA+, negra, indígena; um discurso duro contra a criminalidade urbana, a prisão e cassação ilegal da candidatura de Lula e o uso em massa de fake news criaram as condições para uma vitória da extrema direita em 2018.


O PSOL Popular junto aos movimentos feministas, antirracistas e LGBTQIA+

Países de todo o mundo têm apresentado reações contrárias aos avanços das políticas de igualdade de gênero, racial e das que tratam da diversidade sexual. E, isso tem uma proporção específica na América Latina, principalmente com o avanço do conservadorismo. O fundamentalismo religioso ocupa cada vez mais cargos políticos para fazer a disputa de narrativa e atentar contra os direitos humanos. A ofensiva contra essas maiorias sociais (porém minorias políticas) se soma no Brasil ao massacre dos povos originários e as tentativas de flexibilizar a legislação de proteção aos indígenas e sobre a demarcação de seus territórios, por meio do marco temporal.

O racismo, o colonialismo, a opressão contra mulheres, LGBT+ e indígenas fizeram e fazem parte do processo de constituição do capitalismo, que se forja no Brasil de forma dependente, intensificando a divisão sexual, a superexploração da força de trabalho e dos recursos naturais. O processo de escravização, estrutural para consolidar o capitalismo brasileiro, ecoa até os dias atuais através da desigualdade social, ambiental, sanitária, econômica, do uso do aparelho penal e repressivo do Estado e da perseguição das religiões de matrizes africanas. Defendemos que o PSOL deve continuar colocando a luta antirracista como ponto central de sua atuação, através de ações afirmativas para negritude, de projetos voltados à geração de emprego e renda e da promoção de políticas voltadas à juventude negra viva. Além de continuarmos avançando na participação e formação de novas lideranças negras e novos espaços para a negritude no partido.


A alternativa deve ser global

É preciso disputar o cansaço de amplos setores sociais a um sistema político incapaz de mostrar saídas e estimular formas de organização popular que retomem o sentido comunitário de solidariedade. Em outras palavras, cabe à esquerda neste período complexo a tarefa de defender a política contra sua derrocada pela extrema direita e ao mesmo tempo se apresentar ela própria como a alternativa antissistema. Não há como compreender a capacidade da extrema direita de se constituir em alternativa de poder sem aceitar que isso ocorre porque parcelas significativas das classes trabalhadoras se sentem representadas por suas posições. Disputar essas parcelas é essencial, e para tal a esquerda não pode abdicar de ser a portadora de uma agenda de mudanças estruturais. A defesa abstrata da democracia não tem qualquer significado nessa disputa se “democracia” não for entendido como ampliação de direitos.

Se os aparatos historicamente construídos pela esquerda, como os sindicatos por exemplo, perdem capacidade de interlocução com estas parcelas das classes trabalhadoras, novos movimentos se fortalecem dialogando com novos sentidos de pertencimento. Os movimentos de mulheres, negras e negros, LGBTQIA +, povos indígenas, movimentos de luta urbana por moradia e transporte, ganharam protagonismo e capacidade de disputa política e ideológica nos últimos anos. Fortalecer a organicidade e espaços coletivos do trabalho precarizado buscando construir lógicas de solidariedade e pertencimento, ressignificar sua visão do Estado, apresentar uma agenda renovada de esquerda que coloque temas centrais como o combate à crise climática, a defesa dos direitos humanos, uma radical democratização do Estado e suas instituições, dentre outras, serão tarefas essenciais para a esquerda conseguir deslocar estes setores da órbita da extrema direita.

Entendemos como central a luta contra o colapso ambiental e por novas matrizes energéticas. É preciso, junto com a batalha pela socialização dos meios de governar, radicalizando a democracia participativa, mudar os meios de produzir, distribuir e consumir, superando a cultura da devastação, do descarte e do supérfluo – que cristalizam a desigualdade e o adoecimento do planeta. Direitos humanos e direitos da natureza andam juntos: é urgente mudar o sistema de espoliação do planeta Terra.

Mais do que nunca a luta política deve ser entendida numa escala global. Articular as forças da esquerda radical em particular na América Latina, buscado constituir um campo político renovado com capacidade de dialogar com as novas realidades, defendendo as liberdades democráticas das ameaças do fascismo, mas sem perder seu papel como porta-voz de mudanças estruturais e de enfrentamento claro ao imperialismo e à crise climática, são desafios que o PSOL deverá continuar enfrentando.


Um Brasil em reconstrução

Lula venceu a eleição liderando uma coalizão social minoritária em torno das classes trabalhadoras assalariadas. Mas só venceu porque a tragédia produzida por Bolsonaro durante a pandemia e na gestão da política econômica aprofundou as divisões entre as frações das classes dominantes, fazendo com que uma parte da grande burguesia apoiasse Lula com seus aparatos. A eleição de Lula foi uma vitória essencial que interrompe o desmonte praticado pela extrema direita, mas não significa o fim desta disputa.

A agenda política e a correlação de forças se deslocaram muito para a direita desde o golpe contra Dilma. A situação da esquerda ainda é de defensiva com a forte penetração do ideário reacionário na sociedade e nas suas representações políticas. Hoje não há dúvida de que a força hegemônica na direita é o bolsonarismo, suplantando de vez a antiga liderança demo-tucana, em franca decadência. Por isso, subestimar a ameaça da extrema direita seria um erro grave, bem como sobrevalorizar o significado da vitória eleitoral apertada de Lula em 2022.

A correlação de forças de 2023 é muito mais desfavorável em comparação com 2003, quando Lula venceu pela primeira vez as eleições presidenciais. Se este cenário não pode ser ignorado, por outro lado, esta relação de forças não é estática nem imutável. Travar a disputa de valores, usar o aparelho do Estado para organizar o conflito político mobilizando a sua base social, seria o melhor caminho para garantir maior governabilidade a Lula no médio prazo.

Lula repete características de seus governos anteriores governando dentro dos limites da correlação de forças dada e dos acordos parlamentares possíveis. É uma aposta para a qual o governo ainda não produziu alternativas. Nestas condições sequer a hipótese de repetir o melhor de seus governos anteriores está dada, em função de um regramento fiscal muito mais duro que o vigente de 2003 a 2016, limitando a capacidade de gastos e investimentos do setor público. Se a revogação do Teto de Gastos era um imperativo já com largo consenso, o Novo Arcabouço Fiscal expressa uma visão conservadora da gestão das contas públicas.

O mercado apoiou as novas regras fiscais. Por detrás da falsa preocupação com a “sustentabilidade da Dívida Pública” que a burguesia sabe ser sustentável por definição, está a tentativa de estrangular o governo Lula. O pacto de governabilidade expresso em torno das regras fiscais garante os gastos sociais compensatórios (Bolsa Família, aumento do Salário-Mínimo, Minha Casa Minha Vida) essenciais para evitar a crise social, mas impede maior protagonismo do Estado na ampliação de infraestruturas e no redirecionamento do processo produtivo.

Percebendo as dificuldades do governo e suas divisões internas – que se tornaram públicas no conflito entre Ibama e Petrobrás em torno da possibilidade de exploração de petróleo na Margem Equatorial brasileira – Lira e o Centrão partiram para a ofensiva. Além da aprovação das novas regras fiscais com apoio de quase toda a base governista (as exceções foram PSOL e Rede Sustentabilidade), a Câmara dos Deputados votou a urgência do PL 490, que cria o famigerado Marco Temporal e “congela” a demarcação de terras indígenas, alterou atribuições ministeriais na votação da MP 1054, esvaziando os ministérios do Meio Ambiente e Povos Indígenas, e flexibilizou regras para o desmatamento da Mata Atlântica. A ofensiva conservadora sobre as leis ambientais gerou uma reação instantânea de cobrança da base ocial mais à esquerda do governo. A reação, no entanto, foi tímida. Até aqui a opção tem sido pela governabilidade a qualquer custo.


Lutar para que o governo Lula dê certo

Essa opção, no entanto, é preocupante. Se aceitar o “semi-presidencialismo” imposto pelo Congresso Nacional, Lula não poderá aplicar o programa eleito nas urnas e poderá alimentar a frustração e o ceticismo, pavimentando o caminho para a volta do bolsonarismo. Por isso é preciso estimular um processo de pressão social em favor do programa eleito pela maioria em 2022. Temas centrais desse programa não têm apoio do Congresso, como a reforma tributária progressiva, a demarcação de terras indígenas, a retomada dos investimentos públicos em infraestrutura, entre outros. Por isso é preciso pensar uma “governabilidade à quente” com forte mobilização popular.

Os quatro anos de experiência com o governo Bolsonaro, as condições dramáticas da vitória de Lula no segundo turno e a turbulenta transição com permanentes ameaças golpistas culminando com o levante fascista de 8 de janeiro, reforçaram o sentimento de coesão em torno do governo por parte da base social da esquerda em geral e do próprio PSOL. O espaço para a construção de alternativas neste período está temporariamente interditado. Por isso, a tarefa do PSOL deverá estar orientada a viabilizar o governo Lula, única trincheira viável para impedir o retorno da extrema direita ao poder em 2026. Este imperativo, no entanto, não torna o caminho do PSOL fácil.

As limitações objetivas e subjetivas deste governo, determinarão uma relação com o governo de solidariedade ativa sem alinhamento automático, como já se evidenciou em algumas votações no Congresso Nacional. Com frequência o PSOL será confrontado com escolhas difíceis onde os limites das mediações possíveis em nome da solidariedade ao governo serão de difícil execução. Mas o interesse da classe trabalhadora deve estar sempre em primeiro plano em detrimento de demarcações autoproclamatórias.

O PSOL deve seguir ocupando o espaço de ala esquerda da base do governo Lula, de força política a ser ouvida nas negociações de mérito dos projetos do Executivo, sem deixar de expressar dissenso sempre que isso se impuser. Em outras palavras, lutaremos para que o programa eleito nas urnas seja cumprido, buscando formar alianças com setores da classe trabalhadora para esse fim, mesmo que eventualmente isso nos coloque em contradição com posições definidas pelo próprio governo.


As eleições de 2024

No novo ciclo político inaugurado com a eleição de Lula, a disputa municipal de 2024 será um teste importante para aferir a relação de forças com a direita liberal e a extrema direita, mas serão também um teste importante para o PSOL se afirmar como partido vocacionado para a disputa de poder. Manter a prefeitura de Belém com o companheiro Edmilson Rodrigues, e disputar com protagonismo outras capitais, entre elas São Paulo com Guilherme Boulos, onde as chances de vitória são bastante significativas, são tarefas essenciais para superar a fase de partido parlamentar.

Derrotar a extrema direita nas disputas municipais deve ser o objetivo central do PSOL, mas consolidar referências à esquerda dentro do campo democrático, com a busca da unidade das forças de esquerda e centro-esquerda nos primeiros turnos das eleições também deve nortear as nossas escolhas. Conceber uma política de alianças mais ampla que mantenha a hegemonia de um projeto popular e de esquerda melhorarão as condições de governabilidade e de sustentabilidade parlamentar dos nossos governos.


Um PSOL mais forte e preparado

É preciso reconhecer que nos últimos anos o PSOL deu passos firmes nessa direção. Na última atualização da Justiça Eleitoral somamos mais de 70 mil novos filiados – o maior crescimento da história do partido – e temos uma bancada combativa, diversa e representativa na Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Na Câmara temos a maior bancada da história, resultado direto das opções táticas que fizemos nos últimos anos. É forçoso admitir que se tivessem sido vitoriosas as táticas defendidas pela minoria do PSOL em relação ao impeachment de Dilma, a Lava Jato ou a candidatura própria em 2022, o PSOL hoje ocuparia um papel marginal na política brasileira.

Na última gestão, iniciada no VI Congresso Nacional, consolidamos a política de unidade das esquerdas, com o fortalecimento do fórum dos partidos progressistas. Dialogamos de igual para igual com os demais partidos e ocupamos, com nosso companheiro Juliano Medeiros, um papel de destaque na coordenação de campanha de Lula. Além disso, estreitamos as relações entre a direção nacional e nossos dirigentes estaduais através do projeto “PSOL pelo Brasil” que levou representantes da Executiva Nacional aos 27 estados da federação em menos de seis meses. Com a iniciativa “Direito ao Futuro” o PSOL abriu um amplo debate com setores sociais que buscavam fortalecer propostas de esquerda para a reconstrução do país. Nossa Fundação Lauro Campos-Marielle Franco voltou a ser um espaço de elaboração aberto à militância. E a I Conferência da Amazônia foi um marco no processo de compreensão do PSOL em relação ao papel da região na construção de um projeto democrático, soberano e ecossocialista para o Brasil. Infelizmente, setores da minoria boicotaram boa parte dessas iniciativas, o que não impediu que elas fossem bem-sucedidas.

A Federação PSOL/Rede, ao contrário do que muitos temiam, não ameaçou em nada a identidade política do PSOL e mostrou-se um acerto que trouxe ganhos políticos e eleitorais para nosso partido. A eleição do deputado mais votado da esquerda brasileira – nosso companheiro Guilherme Boulos, com mais de 1 milhão de votos – e a eleição da “bancada do cocar” com Sônia Guajajara e Célia Xakriabá, bem como a vitória de representantes diretas das lutas anti-opressão, como Erika Hilton, também são expressão do acerto da política do PSOL. O convite para que Sônia compusesse o ministério de Lula, embora não tenha sido dirigido ao partido, é um reconhecimento da importância da luta indígena para nós. Isso vale também para a decisão do governo de apoiar a realização da Conferência das Nações Unidas (COP-30) em Belém, governada pelo prefeito cabano do PSOL, Edmilson Rodrigues.


Podemos mais!

Esses avanços são inegáveis e fazem parte do esforço conjunto das forças políticas que assinam essa tese e de todas as que compõem o bloco “PSOL de Todas as Lutas”. Mas podemos ir além. Reconhecer que nosso partido está mais forte, mais enraizado, mais estável e mais maduro, não significa dizer que ele está pronto para os enormes desafios que temos diante de nós. Por isso é preciso apontar limites e soluções.

Além disso, carecemos de debates para a produção de sínteses, que ainda são muito dependentes da boa vontade e disposição das tendências internas. A Conferência da Amazônia, quando setores do partido optaram pela demarcação política à formulação coletiva de uma tática para enfrentar os desafios da região, é um bom exemplo desse diagnóstico. Apesar dos esforços da Fundação Lauro Campos-Marielle Franco, os espaços de formulação ainda são esvaziados por parte de algumas forças partidárias, que preferem manter suas próprias escolas de formação e formulações políticas. Isso faz com que espaços coletivos se tornem insalubres para militantes de base que estão se aproximando do partido, já que não raro o encontro de posições divergentes vem acompanhado da simples demarcação e hostilidade entre filiados.

Precisamos também reforçar a presença do PSOL e das visões de esquerda nas redes sociais, um espaço crucial para a difusão de ideias e mobilização popular, defendendo a difusão de software livre, da soberania nacional sobre as infraestruturas de comunicação, e do amplo acesso da população a essas tecnologias através da inclusão digital.

Em relação ao trabalho parlamentar, é possível aproximar mais nossos mandatos das direções partidárias, aprofundando a possibilidade de sínteses. Temos a bancada mais aguerrida da Câmara dos Deputados – e o mesmo acontece na maioria dos espaços que ocupamos – mas enfrentamos sazonalmente um afastamento entre direção e parlamentares. Essa é uma responsabilidade principalmente dos dirigentes partidários que pode ser superada.

Nosso partido necessita de atualizações na sua base programática. O Brasil de 2004, quando o PSOL surgiu, já não existe mais. Precisamos de um programa com premissas e compromissos menos conjunturais. Também é necessário que tenhamos como prioridade o desafio de modernizar e dinamizar mais a organização e estruturação partidária, com mais transparência, ampliação da democracia interna e movimentação das bases para além dos momentos de eleições internas do partido ou eleições externas. Por isso defendemos que em 2025, o PSOL realize uma conferência que debata e atualize o nosso programa, a partir das bases programáticas sistematizadas no Direito ao Futuro – documento robusto construído em 2022 em parceria com a FLCMF – bem como também debate e atualize o Estatuto do partido, com o espírito de tornar o PSOL um partido cada vez mais preparado para os desafios do hoje e do amanhã.

A utilização de grupos de mensagens instantâneas sem dúvida trouxe agilidade às instâncias partidárias. Sabemos que esses instrumentos não podem substituir os núcleos de base, setoriais e/ou espaços de direção Porém precisamos prever e desenvolver variadas formas de participação, ampliando o sentimento de responsabilidade e pertencimento do conjunto dos filiados. Para isso propomos a incorporação de consultas diretas aos filiados e filiadas, estabelecendo mecanismos transparentes e participativos.

Para tornar o PSOL mais democrático, devemos olhar com mais atenção aos diretórios regionais e municipais de fora do eixo Sul-Sudeste. Não é razoável que um partido que queira ser alternativa de poder para o povo brasileiro tenha seus parlamentares federais concentrados em apenas quatro estados, como hoje acontece. Defendemos a elaboração e aprovação de um plano de crescimento do PSOL no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, regiões fundamentais no enfrentamento às forças conservadoras que sustentam o bolsonarismo.

Nos últimos dois anos, nossa Fundação avançou muito com cursos virtuais, acessíveis, com temas da atualidade e periodicidade, através de uma plataforma virtual, bem como consolidamos o primeiro curso de especialização, através de convenio com a UERJ, além de cursos para a direção partidária. Inauguramos uma robusta biblioteca de literatura periférica em parceria com editoras e escritores das periferias do Brasil. Inauguramos o primeiro centro de memória do partido, físico e virtual, construímos uma pesquisa profunda que consolidou o caderno REVOGAÇO, apontando várias medidas possíveis de serem revogadas pelo novo governo Lula. Inauguramos o NAPE – Núcleo de Análise, Pesquisas e Estudos – , além de manter viva a memória de Marielle Franco com uma belíssima exposição de sua vida e legado político. Porém, ainda há muito que se fazer para que a Fundação cumpra sua vocação. Propomos que seja feita uma atualização no Estatuto da Fundação, na primeira reunião do Diretório Nacional, com objetivo de ampliar a equipe com dedicação para esta tarefa, bem como fortalecer esse instrumento.

Por fim, mas não menos importante, queremos setoriais ativos e democráticos. O modelo do setorial de mulheres, do qual participam todas as forças internas de forma transparente e proporcional ao peso de cada setor, deve ser reproduzido em outros setoriais. Não é possível que esses espaços tão importantes sejam transformados em “feudos” de grupos minoritários para a reprodução de ataques à direção partidária, como aconteceu no passado. Para isso defendemos a criação de um regimento nacional para os setoriais, estimulando a criação de espaços para a juventude, comunicação, saúde, negros e negras, Tecnologia, Economia, LGBTQIA+, dentre outros.

O PSOL pode ser mais forte e mais democrático. Para isso, precisamos de mudanças que superem o espírito de fração que alguns grupos insistem em reproduzir. O PSOL só será útil ao povo brasileiro na medida em que estiver em condições de defender com firmeza e unidade suas posições. O PSOL pode mais. E o povo brasileiro precisa desse instrumento político de ressignificação do socialismo e da liberdade!

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